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1.3. Os “movimentos”
O delírio é o motor que move; por exemplo: as grandes navegações foram motivadas por este delírio, tanto quanto os estudos do universo, da natureza, do cosmos, também o foram.
A inteligência brota no homem depois que este fica em pé e este é um processo de movimento – um processo de “hominização”.
O pensamento certamente não surge de uma forma racional como o conhecemos hoje, portanto “o pensamento não pode ficar reduzido ao racional” como lembram Deleuze e Guattari em Mil Platôs(1) Gostaríamos de lembrar as diversas tribos espalhadas pelo mundo. Os pensamentos nômades; e então, no nosso campo: a Etnoastronomia com um pensamento peculiar. O pensamento não pode se reduzir à representação, ao sujeito-objeto.
Gostaríamos também de questionar: será que na origem do pensamento desde seus primórdios não tivemos também o thauma, o espanto no que tange à Astronomia, ao encantamento que o Céu deve ter propiciado a este “homem embrionário”? É claro que de maneira rudimentar e muitas vezes cosmogônicas(2) e não cosmológicas, este homem já pensava o Céu.
É o pensamento que faz o homem, não é o homem que faz o pensamento, o pensamento precede o homem – no sentido mesmo de não pertencer ao homem. Nossos sentidos nos enganam, você vê o sol girando em torno da terra mas na verdade, se sabe hoje, é a terra que gira e que se move dando-nos a impressão de ser o sol e o céu que se movem ao redor da Terra.
O que é uma vida humana se não pensarmos nos nossos valores, em nossa animalidade em nossa desterritorialização, em nossa origem cósmica ?
Observemos que nossos movimentos são muito maiores que se possa pensar. Portanto quem somos nós hoje? Homens ínfimos em uma imensidão cósmica, inimaginável em sua totalidade, tal como nós mesmos o somos inimagináveis em nossa totalidade. Talvez por sermos “poeira das estrelas” ou seja, formados, constituídos, elaborados por “químicas” provindas de bilhões e bilhões de anos do universo, por nascimentos e mortes de outras estrelas, somos por isso uma parte deste universo físico. Temos em nosso corpo e quem sabe em nossa mente, em nossa alma, uma essência deste cosmos. Talvez seja por isso tão importante continuarmos a estudar o universo, quem sabe assim nos conheçamos melhor? Se é que um dia isto será possível…
Acreditamos que da mesma maneira que viemos do cosmos, o nosso pensamento é imanente ao cosmos, ele não vem de nós, ele é em nós, ele vem em nós.
Tanto a física moderna ou melhor ainda a física contemporânea e especificamente a física quântica, quanto o pensamento são autônomos. Assim a natureza também o é. O homem é um ser da natureza, portanto para entendê-lo é necessário entender a natureza; e a natureza do homem. Mas como dissemos nossa natureza se transforma, se expande e agora em aceleração. Façamos uma analogia com o tempo.
1.4. A questão do tempo e o poder no conhecimento especialmente na Astronomia
No universo há uma expansão do espaço-tempo que está em aceleração, nós estamos dentro deste espaço, dentro deste universo, mas esse tempo não pode ser percebido por nós. Há um tempo macro e um tempo micro; nós estamos no micro, este sim é percebido por nós, e ainda assim ele é mais psicológico do que “real”, ele é determinado por nossas rotinas, por nossos hábitos, pelos sistemas e instituições nas quais estamos envolvidos, inseridos.
O que acelera o tempo é a dinâmica do capitalismo. O nosso “tempo” cronológico não mudou em nada, o dia continua tendo 24 horas (ou melhor 23 horas 56 minutos 4 segundos e 9 centésimos) há milhões de anos o tempo cronológico é praticamente o mesmo.
Temos também o movimento-tempo do Estado que manipula tudo, inclusive o conhecimento da astronomia que por muitas vezes foi e é usado como desculpas para outros objetivos menos nobres como foi o caso da “guerra nas estrelas”; das “viagens espaciais”, dos satélites espiões em órbita da terra, etc; e agora o “turismo espacial”. Dentro de algumas décadas assistiremos a um anuncio assim: saia do Planeta e o veja por completo em seu Esplendido Azul – pague a sua “viagem” em 60 x sem juros…
O conhecimento sempre foi um poder, e o conhecimento em astronomia não fugiu e não foge à regra. Por exemplo no passado quando os homens “ocidentalizados” vinham à América e utilizavam-se dos conhecimentos das efemérides(3) como eclipses lunares ou solares para intimidar os “índios” afirmando que se estes não fizessem tais ou tal coisa o “homem branco” mandaria a Lua se apagar naquela noite. É claro que o “homem branco” já sabia que haveria um eclipse naquela noite, e usavam este “conhecimento” como poder de persuasão. Este é um fato que também ocorre hoje em nossos dias mas de maneira às vezes mais sutil, outras nem tanto.
O poder do conhecimento nas “ciências armamentistas” por exemplo, é um pequeno exemplo que está aí. Quem tem mais conhecimento em armas químicas, biológicas, bomba atômica, aviões “invisíveis” etc e tal, tem mais poder.
E hoje mais do que nunca não podemos menosprezar a questão da importância do tempo e suas conseqüências. Com a nova dinâmica do capitalismo o tempo: nos transportes; na produção; na logística de distribuição e reposição; nas transmissões de informações; acelera-se de maneira nunca antes imagináveis. Enfim: Time is money (tempo é dinheiro), melhor seria dizer: tempo é poder. E melhor ainda, o conhecimento deste tempo, e de como obtê-lo é poder. A importância não está no operário mas no poder do conhecimento, e aí entra a possibilidade da manipulação deste “saber” e desse tempo.
Por fim como nós estamos “aqui no alto da montanha” nos resta viver, não simplesmente sobreviver, precisamos acima de tudo nos “movimentar” e mesmo que não tenhamos mais tempo de vida, que tenhamos mais vida no nosso tempo ou no tempo que tivermos. Enfim o “movimento” continua…
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BIBLIOGRAFIA
ANDREETA, José Pedro. Quem se atreve a ter certeza?: A realidade quântica e a filosofia. 1. ed. São Paulo: Mercuryo, 2004.
APPIAH, Kwame Anthony. Introdução à filosofia contemporânea. 1.ed. Petrópolis: Vozes, 2006.
CHÂTELET, François. Uma história da razão: entrevista com Émile Noel. 1.ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1994.
DELACAMPAGNE, Christian. História da filosofia no século XX; tradução, Lucy Magalhães. 1. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1997.
DELEUZE, Gilles. A ilha deserta: e outros textos. 1.ed. São Paulo: Iluminuras, 2006.
REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da filosofia, Vl 7: de Freud à atualidade; tradução de Ivo Storniolo; 1.ed. São Paulo: Paulus, 2006.
SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL, n* 12 Edição especial – Etnoastronomia.
(1) Livros publicados por Gilles Deleuze e Félix Guattari (edição original 1980) traduzidos para o português em 5 volumes, esta obra foi concluída na sua tradução em 1997.
(2) Quando nos referimos à cosmogonia diferimos da cosmologia no sentido que esta está pautada em “leis científicas” matemáticas e físicas, enquanto que aquela está mais no plano do imaginário e pautada nos deuses gregos ou outros deuses de povos primitivos etc.
(3) Efemérides – é o termo usado por magos, astrônomos, astrólogos e monarcas desde a antiguidade para anunciar tanto as ocorrências de alguns acontecimentos celestiais: eclipses, cometas que passariam; bem como escolher a posição dos astros para assinaturas e tratados imperiais, tudo de acordo com a posição dos astros de cada dia, normalmente encontrados num conjunto de tabelas denominadas hoje efemérides astronômicas que indicam a posição dos astros para cada dia do ano.
Abraços do Benito Pepe
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