Pintura do rosto de Hegel. O idealismo Lógico.

O idealismo Lógico

Continuando o Texto: Hegel os Gregos e os “Modernos”: uma fissura para a contemporaneidade Continuamos agora com O idealismo Lógico em Hegel.

Com o idealismo absoluto de Hegel, o idealismo fenomênico kantiano alcança logicamente o seu vértice metafísico. Hegel fica fiel ao historicismo romântico, concebendo a realidade como vir-a-ser, desenvolvimento. Este vir-a-ser, porém, é racionalizado por Hegel, elevado a processo dialético como mencionamos acima; e este processo dialético não é um movimento a quo adi quod, e sim um processo circular, emanentista.

Como a filosofia de Spinoza, a de Hegel é uma filosofia da inteligibilidade total, da imanência absoluta. A razão aqui não é apenas, como em Kant, o entendimento humano, o conjunto dos princípios e das regras segundo as quais pensamos o mundo. Ela é igualmente a realidade profunda das coisas, a essência do próprio Ser. Ela é não só um modo de pensar as coisas, mas o próprio modo de ser das coisas: “O racional é real e o real é racional”.

É por isso que podemos considerar Hegel como o filósofo idealista por excelência, uma vez que, para ele, o fundo do Ser (longe de ser uma coisa em si inacessível) é, em definitivo, Ideia, Espírito. Sua filosofia representa, ao mesmo tempo, com relação à crítica kantiana do conhecimento, um retorno à ontologia. É o ser em sua totalidade que é significativo e cada acontecimento particular no mundo só tem sentido finalmente em função do Absoluto do qual não é mais do que um aspecto ou um momento.

Hegel porém se distingue de Spinoza e surge para nós como um filósofo essencialmente moderno, pois, para ele, o mundo que manifesta a Ideia não é uma natureza semelhante a si mesma em todos os tempos, que dizia que a leitura dos jornais era “sua prece matinal cotidiana”, como todos os seus contemporâneos, muito meditou sobre a Revolução Francesa, e esta lhe mostra que as estruturas sociais, assim como os pensamentos dos homens, podem ser modificadas, subvertidas no decurso da história. O que há de original em seu idealismo é que, para Hegel, a ideia se manifesta como processo histórico: “A história universal nada mais é do que a manifestação da razão”.

É preciso compreender também que a história é um progresso. O vir-a-ser de muitas peripécias não é senão a história do Espírito universal que se desenvolve e se realiza por etapas sucessivas para atingir, no final, a plena posse, a plena consciência de si mesmo. “O absoluto, diz Hegel, só no final será o que ele é na realidade”. O panteísmo de Spinoza identificava Deus com a natureza: Deus sive natura. O panteísmo hegeliano identifica Deus com a História. Deus não é o que é,  ao menos só é parcial e muito provisoriamente o que atualmente é,  Deus é o que se realizará na História.

Se pensarmos na história da Vida no Planeta Terra, podemos considerar que provavelmente no inicio havia só minerais, depois vieram os vegetais, e em seguida os animais. Assim podemos questionar: isso não  nos dá a impressão que seres cada vez mais complexos,  organizados e autônomos “surgem” no planeta?

O Espírito, de início adormecido, dissimulado e como que estranho a si mesmo, “alienado” no universo, surge cada vez mais manifestamente como ordem, como liberdade, logo como consciência. Esse progresso do Espírito continua e se concluirá através da história dos homens. Cada povo cada civilização, de certo modo, tem por missão realizar uma etapa desse progresso do Espírito. O Espírito humano é de início uma consciência confusa, um espírito puramente subjetivo, é a sensação imediata. Depois, ele consegue encarnar-se, objetivar-se sob a forma de civilizações, de instituições organizadas. Tal é o espírito objetivo que se realiza naquilo que Hegel chama de “o mundo da cultura”.

Lembramos que a questão da liberdade está em pauta no pensamento dos modernos, eles observavam e refletiam… onde se encontra a liberdade? O que é a liberdade? Por exemplo, Schiller vai dizer que da mesma forma que se educa através da razão, se pode educar a sensibilidade com as obras de arte e que é a técnica do objeto que expressa a liberdade, mas desde que esta técnica “não apareça”. A grande obra de arte vai te coagir à liberdade, é aparência no fenômeno, é aparência na forma, é uma liberdade estética. Um exemplo seria a técnica da bailarina que “não aparece” e assim não demonstra estar fazendo esforço, ela parece estar “voando” suavemente no palco.

Enfim, o Espírito se descobre mais claramente na consciência artística e na consciência religiosa para finalmente apreender-se na Filosofia (notadamente na filosofia de Hegel, que pretende totalizar sob sua alçada todas as outras filosofias) como Saber Absoluto. Desse modo, a filosofia é o saber de todos os saberes: a sabedoria suprema que, no final, totaliza todas as obras da cultura (é só no crepúsculo, diz Hegel, que o pássaro de Minerva levanta voo).

Compreendemos bem, em todo caso, que, nessa filosofia puramente imanentista, Deus só se realiza na história. Em outras palavras, a forma de civilização que triunfa a cada etapa da história é aquela que, naquele momento, melhor exprime o Espírito. Após ter saudado em Napoleão “o espírito universal a cavalo”, Hegel verá no estado prussiano de seu tempo a expressão mais perfeita do Espírito Absoluto. Por conseguinte, Hegel é daqueles que acham que a força não “oprime” o direito, mas que o exprime, que aquele que é vitorioso na História é,  simultaneamente, o mais dotado de valor e que a virtude, como ele diz, “exprime o curso do mundo”.

Segundo as normas da lógica clássica, essa identificação da Razão com o Devir histórico é absolutamente paradoxal. De fato, a lógica clássica considera que uma proposição fica demonstrada quando é reduzida, identificada a uma proposição já admitida. A lógica vai do idêntico ao idêntico. A história, ao contrário, é o domínio do mutável. O acontecimento de hoje é diferente do de ontem. Ele o contradiz. Aplicar a razão à história, por conseguinte, seria mostrar que a mudança é aparente, que no fundo tudo permanece idêntico. Aplicar a razão à história seria negar a história,  recusar o tempo. Ora, contrariando tudo isso, o racionalismo de Hegel coloca o devir, a história, em primeiro plano. Como isso é possível? Bem, isso é possível pelo processo dialético como vimos no tópico anterior.

Vejamos uma síntese apresentada por Reale quanto à questão da lógica em Hegel:

A “lógica” de Hegel não é puro “instrumento” ou “método”, como a lógica tradicional, e sim o estudo da estrutura do todo, no sentido de que a própria Lógica, enquanto ideia-em-si, é auto-estruturação do quadro do todo.

A Lógica começa e se desenvolve inteiramente no plano definitivamente ganho da Fenomenologia do espírito, isto é, no plano do saber absoluto, em que desapareceu toda diferença entre “certeza” (que implica subjetividade) e “verdade” (que é sempre objetividade), entre “saber” como forma e “saber” como conteúdo.

A tese de fundo da lógica hegeliana, que se remete à antiga posição de Parmênides, é que “pensar” e “ser” coincidem: o pensamento em seu processo, realiza a si mesmo e o próprio conteúdo, e esta realização dialética é ao mesmo tempo, de modo cada vez renovado, um “pensar o ser” e o “ser do pensamento”. A Lógica coincide assim com a ontologia (ou seja, com a metafísica), e nesse sentido constitui a síntese especulativa dos conteúdos que se encontram no Organon e na Metafísica de Aristóteles.

Em seu conjunto, portanto, a Lógica é o reino do pensamento puro; é a verdade como ela é em si e por si sem véu, é a exposição de Deus como ele é em sua eterna essência antes da criação da natureza e de cada espírito finito.

O logos da Lógica deve ser concebido também como desenvolvimento e processo dialético: a “ideia lógica” é a totalidade de suas determinações conceituais em sue desdobramento dialético.

As três esferas fundamentais da Lógica são: o ser, a essência e o conceito. (2005, 120)

Precisamos lembrar que Hegel implanta uma nova lógica e a nova lógica hegeliana difere da antiga, não somente pela negação do princípio de identidade e de contradição,  como eram concebidos na lógica antiga,  mas também porquanto a nova lógica é considerada como sendo a própria lei do “ser”. Quer dizer, coincide com a ontologia, em que o próprio objeto já não é mais o “ser”, mas o devir absoluto.

De maneira sintética podemos mencionar a diferenciação da nova lógica hegeliana da seguinte maneira:

1. A lógica tradicional afirma que o ser é idêntico a si mesmo e exclui o seu oposto (princípio de identidade e de contradição); ao passo que a lógica hegeliana sustenta que a realidade é essencialmente mudança, devir, passagem de um elemento ao seu oposto;

2. A lógica tradicional afirma que o conceito é universal abstrato, enquanto apreende o ser imutável, realmente, ainda que não totalmente; ao passo que a lógica hegeliana sustenta que o conceito é universal concreto, isto é, conexão histórica do particular com a totalidade do real, onde tudo é essencialmente conexo com tudo;

3. A lógica tradicional distingue substancialmente a filosofia, cujo objeto é o universal e o imutável, da história, cujo objeto é o particular e o mutável; ao passo que a lógica hegeliana assimila a filosofia com a história, enquanto o ser é vir-a-ser;

4. A lógica tradicional distingue-se da ontologia, enquanto o nosso pensamento, se apreende o ser, não o esgota totalmente,  como faz o pensamento de Deus; ao passo que a lógica hegeliana coincide com a ontologia, porquanto a realidade é o desenvolvimento dialético do próprio “logos” divino, que no espírito humano adquire plena consciência de si mesmo.

Demos ênfase à questão lógica em Hegel e não foi à toa, pois a questão lógica, é sem dúvida a suma de sua metafísica e como nos lembra Reale

De algum tempo para cá, está no auge a Ciência da lógica, valorizada principalmente por causa das estreitas relações que, em Hegel, existem entre o “elemento lógico” e a “linguagem”, que hoje está no centro dos interesses filosóficos. Entretanto, é verdade que a lógica contém tudo, porque também é uma “filosofia primeira”, ou seja, uma “metafísica”; porém, só contém tudo em certa perspectiva, que é a da “Ideia como Logos” (2005, p.98)

Próximo tópico: Considerações finais e a bibliografia

Abraços do Benito Pepe

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