Conforme Marcondes nos lembra, Tales, da colônia grega de Mileto – por isso chamado Tales de Mileto(2) – é um dos nomes mais importantes para o surgimento do pensamento filosófico-científico (ou seja, A Filosofia), como é dado por “Aristóteles, no livro I da Metafísica. Aristóteles afirma ser Tales de Mileto, no Séc. VI a.C., o iniciador do pensamento filosófico-científico”. Marcondes continua:
Podemos considerar que este pensamento nasce basicamente de uma insatisfação com o tipo de explicação do real que encontramos no pensamento mítico. De fato, desse ponto de vista, o pensamento mítico tem uma característica até certo ponto paradoxal. Se, por um lado, pretende fornecer uma explicação da realidade, por outro lado, recorre nessa explicação ao mistério e ao sobrenatural, ou seja, exatamente àquilo que não se pode explicar, que não se pode compreender por estar fora do plano da compreensão humana. A explicação dada pelo pensamento mítico esbarra assim no inexplicável, na impossibilidade do conhecimento. (2005, p.21).
Mas a filosofia não queria ser simplesmente uma explicação do real, ela está e estava muito além disso, os estudos dos pré-socráticos e, por exemplo, de Parmênides(3) quanto à questão do Ser nos mostram isso, como veremos no quinto capítulo quando trataremos do esquecimento do Ser em uma analogia com o esquecimento do Céu, parafraseando Heidegger.
Parmênides e Heráclito são dois exemplos dos pré-socráticos que muito contribuíram para a base do pensamento ocidental. Comumente se declaram opostos seus pensamentos, mas na realidade há mais convergências do que divergências entre os dois. Numa interpretação mais aprofundada dos fragmentos de Heráclito e Parmênides podemos achar um mesmo Todo para os dois e esta oposição entre suas visões do Todo passa a ser cada vez menor.
Para Parmênides o Ser não é gerado, é imóvel, imutável, incorruptível, igual, esferiforme e uno. Este “Ser” é “não-gerado” e “incorruptível”. Se fosse gerado teria que derivar de um não ser, o que seria absurdo, dado que o não-ser não existe, ou teria que ter derivado do “ser” o que também seria absurdo porque ele já existiria. Por essas razões é impossível que o Ser se corrompa. Então o Ser não tem um passado nem um futuro é um eterno presente.
Assim, quanto à filosofia da Physis, Parmênides é um inovador radical, com ele a cosmologia recebe um profundo abalo do ponto de vista conceitual, transforma-se em uma Ontologia.
Da mesma maneira que outros pensadores pré-socráticos, Parmênides enfrentou uma questão central: a busca de um princípio, ou arché subjacente a todas as coisas, e a determinação de um traço de união entre esse princípio e a realidade do mundo físico em constante mutação. Para Parmênides, tudo o que existe constitui uma única realidade: o Ser, que ele identifica com o pensamento, uma vez que só se pode pensar sobre aquilo que existe.
Assim tudo aquilo que se pensa e diz, é. Pensar e ser é o mesmo, não se pode dizer o não ser. Daí aponta-se a primeira formulação do principio da não contradição (principio que afirma a impossibilidade de que os contraditórios coexistam ao mesmo tempo), por exemplo, uma “coisa” não pode ser algo e ao mesmo tempo outra: uma parede não pode ser Azul e Amarela ao mesmo tempo; podemos afirmar que ela não seja Amarela, mas não dizer o indizível.
Parmênides é um dos primeiros racionalistas, entendendo-se racionalista como aquele que acredita que a fonte primária do conhecimento do mundo está na Razão.
Dessa maneira, para parmênides há um único caminho a ser seguido (a via do ser) em oposição com a “falsidade” (a via do não ser). O primeiro caminho diz que “o ser é e não pode não ser; o não ser não é, e não pode ser de modo nenhum.”
Temos também em Heráclito, pontos interessanes do seu pensamento, um deles está no fragmento CXXIII quando diz que “a physis ama ocultar-se”, esse ponto será subentendido quando falarmos sobre a física quantica nas Considerações Finais desta monografia.
A physis ama ocultar-se, se ela aparecesse plenamente, talvez não dariámos importância, nós só damos valor ao não presente. Trazer à presença algo que estava oculto é um desvelar da physis.
De qualquer maneira é assim que surge a filosofia, pelo questionamento dos homens que queriam e buscavam a verdade, mas não queriam explicações incoerentes, assim começa um processo de pensamento diferenciado e racional que pudesse contrapor-se, de certa maneira, às tradições. Como comenta Chaui:
A filosofia surgiu quando alguns gregos, admirados e espantados com a realidade, insatisfeitos com as explicações que a tradição lhes dera, começaram a fazer perguntas e buscar respostas para elas, demonstrando que o mundo e os seres humanos, os acontecimentos naturais e as coisas da natureza, os acontecimentos humanos e as ações dos seres humanos podem ser conhecidos pela razão humana, e que a própria razão é capaz de conhecer-se a si mesma. (2005, p.25).
Mas o questionamento que podemos e devemos fazer desde já é: será que a Filosofia tomou conta do pensamento…. ou tirou um “mito” e contribuiu para a criação de outro?
Alguns fatores foram importantes para o surgimento da filosofia. Ela nasce em condições históricas que a favorecem, no final do século VII e início do século VI a.C.
Alguns desses fatores como menciona Chaui (2005, p.37.) são: as viagens marítimas; a invenção do calendário; a invenção da moeda; o surgimento da vida urbana; a invenção da escrita alfabética e a invenção da política.
As viagens marítimas demonstraram aos gregos que os locais que os mitos diziam habitados por deuses e os mares habitados por monstros, não possuíam monstros nem eram aqueles locais, habitados por deuses. Assim as viagens produzem um desencanto ou a desmistificação do mundo.
A invenção do calendário demonstra e faz perceber que a noção do tempo é algo natural (os fatos se repetem) e não uma força divina incompreensível.
A invenção da moeda propicia um pensamento abstrato e de generalização, onde se notam os valores de troca de maneira simbólica e não mais como a permuta de mercadorias de outrora.
O surgimento da vida urbana e a valorização de uma nova classe de comerciantes ricos que procurava o prestígio pelo patrocínio e estímulo às artes, às técnicas e aos conhecimentos, favorecendo um ambiente filosófico. Isto em contraponto com a aristocracia proprietária de terras, por quem e para quem os mitos foram criados.
A invenção da escrita alfabética propiciando da mesma forma que o calendário e a moeda o crescimento da capacidade de abstração e de generalização.
A invenção da política que dá origem a três aspectos novos para o nascimento da filosofia:
1. a idéia da lei como vontade de um povo que decide por si mesmo o que é melhor para si.
2. o surgimento de um espaço público para discutir através de um novo tipo de palavra ou de discurso, diferente daquele mítico.
3. um pensamento que todos podem compreender e discutir. Todos podem comunicar e transmitir.
Praticamente todos os filósofos “antes de Sócrates” (séc. VI – V a.C.), por isso chamados de – pré-socráticos – tiveram como características do pensamento noções que tentam explicar a realidade da natureza. Como dissemos aí a filosofia e a ciência tem seu início. Vejamos quais foram estas noções, mencionadas por Marcondes (2005, p.24-27), que as transcrevo de maneira reduzida:
a. A physis
Por os primeiros filósofos serem estudiosos ou teóricos da natureza (physis), portanto o objeto de investigação destes filósofos-cientistas era o mundo natural. Eles buscavam explicação através desta mesma realidade e não fora dela, ou seja, investigavam a própria natureza.
b. A causalidade
Procuravam explicar, relacionando um efeito a uma causa que antecedia outra. Tomavam um fenômeno como efeito de uma causa. O nexo deve ser dado entre os fenômenos naturais, e não através de causas sobrenaturais, é isto que distingue o discurso mítico do filosófico-científico. Mas há um problema! A explicação causal pode ir ao infinito em caráter regressivo, desta forma chegaríamos a um momento inexplicável, a um mistério. Assim acabaríamos novamente no mito. Para isso não ocorrer se estabelece uma causa primeira, um ponto de partida para o processo racional a arqué.
c. A Arqué (elemento primordial)
Para se evitar o infinito causal, postula-se o elemento primordial. Tales de Mileto, o primeiro a postular essa noção, diz ser a água (hydor) o elemento primordial. A água como o elemento presente em todas as coisas. Outros sucessores de Tales, Anaxímenes e Anaximandro, adotaram o ar e o apeiron (algo ilimitado, indefinido, subjacente à própria natureza); Heráclito dizia ser o fogo; Demócrito o átomo e assim outros como Empédocles que dizia ser: terra, água, ar e fogo. A química hoje supõe que o hidrogênio, esteja presente em todo o universo. Estes filósofos buscavam um princípio básico permeando toda a realidade, um elemento natural, inaugurando a ciência.
d. O cosmo
O termo kosmos, para eles, liga-se às idéias de ordem, harmonia e mesmo beleza (já que a beleza resulta da harmonia das formas; daí o termo “cosmético”). O cosmo é assim o mundo natural, o espaço celeste enquanto realidade ordenada de acordo com princípios racionais. O cosmo entendido assim como ordem se opõe ao caos, que seria a falta de ordem, o estado da matéria antes de sua organização. Esta ordem do cosmo é racional, “razão” significando aí leis que regem e organizam esta realidade (mais à frente completo esta noção – o cosmo).
e. O logos
O termo logos significa literalmente discurso, mas de forma diferente do discurso do mythos. O logos é uma explicação, em que razões são dadas. Por isso que os discursos dos primeiros filósofos, explicando o real por causas naturais, é um logos. É portanto um discurso racional, justificativo, e estão sujeitos à crítica. Um dos pressupostos básicos é a correspondência entre a razão humana e a racionalidade do real.
f. O caráter crítico
Uma das características mais interessantes destas escolas de pensamento era que elas eram passíveis de questionamento, não eram dogmas nem eram apresentadas como verdades absolutas. Eram portanto suscetíveis às divergências e discordâncias e permitiam formulações e propostas alternativas. Não eram verdades reveladas, de caráter divino ou sobrenatural, por isso estavam abertas às discussões, aos reparos, às criticas. A única exigência era que as novas propostas fossem explicadas racionalmente, justificadas e novamente submetidas às críticas.
Destas noções vou destacar a physis, e precisamos lembrar que a palavra vem do verbo grego phiein que significa “surgir”, “nascer”, “brotar”, “dar à luz”. Isto é importante para entendermos o sentido mais amplo que esta palavra tinha para os gregos antigos e que fará sentido com o que queremos mencionar mais à frente e no contexto desta monografia.
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(2) “Tales de Mileto (fim do século VII-VI, a.C) possui, antes de tudo, um saber que poderíamos qualificar de científico: prevê o eclipse do sol de 28 de maio de 585, afirma que a Terra repousa sobre a água; mas ele tem igualmente um saber técnico: se lhe atribui o desvio do curso de um rio”. Como nos lembra Hadot (2004 p. 43)
(3) Parmênides (c.530 a 460 a.C.) Esse pensamento de Parmênides está exposto num poema filosófico intitulado Sobre a Natureza, dividido em duas partes distintas: uma que trata do caminho da verdade (alétheia) e outra que trata do caminho da opinião (dóxa), ou seja, daquilo onde não há nenhuma certeza. De modo simplificado, a doutrina de Parmênides sustenta o seguinte: a Unidade e a Imobilidade do Ser; o mundo sensível é uma ilusão; o Ser é uno, eterno, não-gerado e imutável.
No próximo tópico: A Cosmologia e a Astronomia. E considerações deste capítulo.
Abraços do Benito Pepe
[…] A Filosofia […]
Olá meu camarada, esta é uma reflexão da minha parte sobre este texto, espero pelo menos chegar perto de entender, e ter refletido de acordo como a minha mente. O Mítico é o inexplicável, é aquilo que passa por nossa mente, quando se abrem os leques da nossa imaginação, e assim como o sobrenatural à imaginação torna-se inexplicável. E este mistério é que nos chama atenção para nossa mente discorrer sobre algo que nos mostra ser irreal, mas ao mesmo tempo tentamos transformar em algo real. Existem e é bem fácil de se encontrar, pessoas que vivem sonhando acordadas, apregoando que irá fazer isso e aquilo à qualquer preço, quando na realidade de suas vidas mostra que aquele sonho é totalmente impossível, estas pessoa enganam-se a si própria, este sonho torna-se um “mítico” uma ficção. Ora! O sonho por si só já é uma ficção da mente, e por ser uma ficção é simplesmente irreal. Vamos ver agora o paradoxo de “mítico e logos”. Um escritor viaja no mundo da imaginação, para descrever uma obra,baseado num caso da vida real, mas também escreve outros temas, baseado unicamente no fruto da sua imaginação, dentro desta filosofia, se formos refletir vamos verificar, que dentro da ficção existe coisas reais, ou seja os personagens apesar de ser fruto do imaginário dentro do contexto da estória, são reais. Agora meu amigo vamos nos imaginar em uma plataforma espacial perdida no mais profundo silencio universal, com certeza nossa mente iria nos perguntar, onde estou? De onde veio tudo isto? Quem sou eu? De onde vim? E para onde vou? Creio que nestas condições, chegamos as seguintes conclusões, naquele momento estávamos num mundo de ficções. Já o logos é tudo aquilo de racional, pois de tentativas em tentativas abriram-se as janelas dos interesses humanos, e à partir do século VI ªC. foram surgindo os estudos mais avançados como, a matemática, física, biologia, astronomia e por aí afora. Foram criado como você já citou, o surgimento do calendário da vida urbana, invenção da escrita alfabética, da moeda e muitas outras coisas. Não vou citar nomes e datas da filosofia, pois como você me disse que gostaria de ver minha própria reflexão. È esta a conclusão que cheguei sobre o texto, dentro da minha filosofia de reflexão. Abraço J.M.Dias
Olá amigo JM Dias, parabéns por este belo comentário. Sinto-me muito feliz por poder observar e participar deste teu maravilhoso progresso. Valeu! É isso mesmo que te sugiro, comentários que venham to teu coração, estes são mais poéticos e acho que mais pertinentes nestes trechos de minha monografia.
Abraços, Benito Pepe
Boa tarde Benito, me chamo Ricardo Rodolfo,
Iniciei meu curso de filosofia este ano, mas estou tendo muita dificuldade em como fazer um bom trabalho, e lendo aquilo que voce publicou queria pedir a sua ajuda para indicar algum site, livros, artigos, pois vou fazer meu primeiro trabalho para entregar no final de maio com o tema “A contribuição da filosofiana formação integral do homem. Se voce puder me ajudar ficarei muito grato. Deus abençoe
Ricardo Rodolfo Silva
Olá Ricardo Rodolfo, em primeiro lugar parabéns por querer fazer um bom trabalho! Quanto a Sites há muitos interessantes, mas eu não sei te indicar um além do meu hehe.
Quanto a livros certamente posso te ajudar, veja os livros que indico nas bibliografias dos meus textos e para vc que está iniciando sugiro algo como história da filosofia. Veja este link que contém uma bibliografia com alguns livros que usei em minhas monografias>>> https://www.benitopepe.com.br/2012/03/10/sumario-bibliografia-e-referencias-bibliograficas-do-texto-%E2%80%9Cfilosofia-e-cosmologia-a-physis-e-o-thauma-sempre-presentes%E2%80%9D/
No mais, a lógica é você pedir uma listagem ao teu orientador, pois cada livro de filosofia tem um objetivo específico e de acordo com o autor ou filósofo é focado um tema especial, então é obrigação do professor orientar o orientando, ok?
Boa Sorte, de qualquer forma estarei aqui às ordens, depois venha me dizer a nota, valeu?
Abraços, Benito Pepe