Entendendo um pouco do Ensino Religioso

Vamos abordar neste e nos textos que seguem o Ensino Religioso, mas também as questões quanto ao preconceito e intolerância religiosa entre outros temas afins. Vamos então Entender um pouco do Ensino Religioso? Este artigo segue a metodologia VER, JULGAR e AGIR, ou seja, em um primeiro momento verificamos o que diz a BNCC[1] especificamente quanto ao Ensino Religioso, no segundo momento analisamos e julgamos um currículo proposto em uma pequena cidade da Bahia, e no terceiro momento publicamos um vídeo a fim de colaborar, ainda que de maneira bem sucinta, quanto a esta temática, é o nosso Agir.

Dessa maneira, este texto será publicado em partes. Neste 1º momento quanto ao VER, apresentamos uma Introdução Geral e tecemos algumas Considerações Iniciais, além de explanarmos sobre o que é Ensino Religioso.

Na Segunda parte, ainda quanto ao VER abordarmos nossas impressões e Considerações quanto ao Ensino Religioso, e se o mesmo pode ser uma ferramenta de fomento para o diálogo inter-religioso. E refletimos: Pode o Ensino Religioso servir ao propósito de fomentar o respeito e o diálogo inter-religioso? por fim apresentamos nossas Considerações finais deste 1º momento quanto ao VER, ou do que observamos.

Quanto ao 2º momento JULGAR, apresentaremos em outras publicações a temática: Currículos de Ensino ReligiosoAdequação à BNCC e ferramenta de combate à Discriminação e/ou intolerância religiosa?

E Por fim, apresentaremos um vídeo no momento: AGIR.

Ensino Religioso como instrumento (ou ferramenta) para lidar com a Intolerância Religiosa no ambiente escolar e na sociedade, bem como com a Discriminação Religiosa

 

Introdução – Considerações Iniciais

Como poder-se-á perceber neste texto que segue, partimos do documento da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) especificamente no trecho quanto ao Ensino Religioso, em que com base neste documento nos foi proposta uma reflexão e que discorrêssemos sobre nossas impressões a respeito do Ensino Religioso proposto neste documento supracitado. Partindo-se deste ponto apresentaremos nossas considerações fundamentadas sobre o Ensino Religioso no sentido de se pensar e refletir se o mesmo pode ou não auxiliar a promoção do diálogo inter-religioso ou ainda se pode ser um instrumento de combate à intolerância religiosa.

No primeiro capítulo, abordamos o tema: o que é o Ensino Religioso, e desde já concomitantemente tecemos nossas reflexões e impressões sobre o que ali é proposto. Discorremos sucintamente sobre esta forma de conhecimento e apresentamos a distinção entre ensino religioso e ensino da religião tanto quanto da educação religiosa.

Damos uma pincelada histórica sobre esta temática e entramos propriamente no tema do documento da BNCC quanto ao ensino religioso. Entre eles, abordamos os objetivos do ensino religioso e fazemos uma síntese reflexiva. Falamos sobre os enigmas da humanidade que são tratados, como também é ampliada a visão de que não é abordado somente questões místicas, mas também filosofias de vida.

Em seguida apresentamos, destacamos e refletimos sobre as unidades temáticas, tais como: Identidade e Alteridade; Manifestações Religiosas; e Crenças Religiosas e Filosofias de Vida, e as habilidades e objetivos, propostos pela BNCC.

Posteriormente apresentamos um tópico específico quanto as Nossas Impressões e Considerações e o subdividimos em dois subtópicos com questões sugeridas para reflexão, tais como: “Ensino Religioso: ferramenta de fomento para o diálogo inter-religioso?” E outra.: “Pode o Ensino Religioso servir ao propósito de fomentar o respeito e o diálogo inter-religioso?” e assim pincelamos mais um pouco de nossa argumentação sobre a temática e por fim, em um último tópico, tecemos nossas considerações finais.

Cap. 1
O que é Ensino Religioso?

Precisamos iniciar este texto esclarecendo o que vem a ser o Ensino Religioso e desde já esclarecer que não tem nada a ver com religião em si, como veremos, embora pareça paradoxal o ensino religioso não é ensino da religião ou de qualquer religião. Dessa maneira o Ensino religioso precisa ser entendido como uma área do conhecimento, como também os são a filosofia, a ciência, a matemática, a arte entre outras. Cada área do conhecimento abarca algumas disciplinas e, no caso da religião, está o “Ensino Religioso” que se constitui a partir de uma ciência chamada fenomenologia da religião, e ela trabalha com o fenômeno religioso.

O “ensino religioso” já fazia parte da grade escolar há muitas décadas, era matéria escolar, no entanto não era considerado como uma área de conhecimento, o que só vem a ocorrer após a constituição de 1988, e mais especificamente somente na segunda década do século em vigor, ou seja, lá pelos anos 2014 em diante, antes era apenas o ensino da religião. Então precisamos distinguir “educação religiosa” e “ensino religioso”.

Educação Religiosa X Ensino Religioso

Educação religiosa é o ensino doutrinário ou dogmático que deve ser realizado no espaço privado daquela religião, este é voltado a uma “religião” específica, por exemplo, a religião católica, ou outra denominação, e isso deve ser promulgado em ambiente privado daquela instituição. No caso do Ensino Religioso é uma área do conhecimento acadêmico e uma disciplina escolar, e a mesma consta em nossa constituição federativa em vigor, a propósito é a única disciplina que consta em nosso constituição.

Conforme é apresentado na BNCC os objetivos do ensino religioso são:

  1. a) Proporcionar a aprendizagem dos conhecimentos religiosos, culturais e estéticos, a partir das manifestações religiosas percebidas na realidade dos educandos;
  2. b) Propiciar conhecimentos sobre o direito à liberdade de consciência e de crença, no constante propósito de promoção dos direitos humanos; c) Desenvolver competências e habilidades que contribuam para o diálogo entre perspectivas religiosas e seculares de vida, exercitando o respeito à liberdade de concepções e o pluralismo de ideias, de acordo com a Constituição Federal;
  3. d) Contribuir para que os educandos construam seus sentidos pessoais de vida a partir de valores, princípios éticos e da cidadania.[2]

Em síntese os objetivos do ensino religioso mencionados acima são:  a. compreender as manifestações religiosas dos nossos alunos; b. fomentar a liberdade de crença no campo dos direitos humanos; c.  pensar de maneira mais ampla a questão não só religiosa, mas também o agnosticismo, ateísmo e filosofias de vida como o budismo, por exemplo); d. deve-se pensar nos sentidos de vida com valores independente de credos ou “não credos”, o foco são princípios éticos e de cidadania.

Conhecimento Religioso

O conhecimento religioso trata dos enigmas da humanidade, vida e morte, de onde viemos, para onde iremos, portanto são também questões filosóficas, entre outros aspectos, tudo isso é refletido nas diversas expressões religiosas ou não, que surgem fenomenologicamente na humanidade. E, portanto, como expresso na BNCC:

De modo singular, complexo e diverso, esses fenômenos alicerçaram distintos sentidos e significados de vida e diversas ideias de divindade(s), em torno dos quais se organizaram cosmovisões, linguagens, saberes, crenças, mitologias, narrativas, textos, símbolos, ritos, doutrinas, tradições, movimentos, práticas e princípios éticos e morais. Os fenômenos religiosos em suas múltiplas manifestações são parte integrante do substrato cultural da humanidade.[3]

Nota-se então que o “ensino religioso” diferentemente do que muitos possam pensar está aberto não só a crenças religiosas, mas também ao que podemos chamar de “não credos”. No entanto, como Ensino Religioso, não há como escapar da transcendentalidade, porém em uma visão um pouco distinta. Para isso vamos destacar alguns dos pontos das unidades temáticas que fazem parte do Ensino Religioso.

Unidades Temáticas

Entre as unidades temáticas propostas temos a Identidade e Alteridade. Quanto a esta se propõe que deva estar presente ao longo de todo o ensino fundamental, especialmente nos anos iniciais. Conforme expresso na BNCC:

Nessa unidade pretende-se que os estudantes reconheçam, valorizem e acolham o caráter singular e diverso do ser humano, por meio da identificação e do respeito às semelhanças e diferenças entre o eu (subjetividade) e os outros (alteridades), da compreensão dos símbolos e significados e da relação entre imanência e transcendência.[4]

Percebe-se assim que se pretende claramente levar o estudante a uma reflexão quanto a distinção entre a dimensão biológica e psicológica, de maneira a se entender que nesta, temos uma subjetividade que distingue um ser do outro, tendo então uma alteridade a ser pensada, destacando-se o Ser e o Outro. Além deste ponto, lembra-se de outras dimensões do ser humano e que por isso temos uma busca aos assuntos ligados ao mistério e aos fenômenos da experiência religiosa.

A partir de toda essa reflexão quanto a transcendentalidade que pode se dar através do mistério e da experiencia ritualista ou não, em espaços ditos sagrados ou não, tudo depende de cada indivíduo em sua dimensão humana e espiritual, temos o que chamamos de Manifestações Religiosas, essa então é uma outra unidade temática para estudo. Evidenciamos, no entanto, que após uma experiência mística esse ser humano tem uma crença que deve ser respeitada, pois o mesmo passa por uma “experiência religiosa” que normalmente é compartilhada por seu grupo social e que, como expresso na BNCC, é nessa unidade temática Manifestações Religiosas,

em que se pretende proporcionar o conhecimento, a valorização e o respeito às distintas experiências e manifestações religiosas, e a compreensão das relações estabelecidas entre as lideranças e denominações religiosas e as distintas esferas sociais.[5]

Então quando os estudantes vão tomando conhecimento quanto à diversidade das manifestações religiosas e da diversidade do ser humano em todas as suas dimensões, neste caso religiosa, estes, aos poucos deverão compreender e respeitar o outro em todos os seus aspectos humanos.

Por fim há outra unidade temática e que gostaríamos de destacar: Crenças religiosas e filosofias de vida. Nesta, como diz a BNCC

são tratados aspectos estruturantes das diferentes tradições/movimentos religiosos e filosofias de vida, particularmente sobre mitos, ideia(s) de divindade(s), crenças e doutrinas religiosas, tradições orais e escritas, ideias de imortalidade, princípios e valores éticos.[6]

As Crenças religiosas e as filosofias de vida, são muito amplas e complexas, nem sempre fáceis de entender em toda sua profundidade, no entanto precisamos dispor e transmitir para os estudantes o mínimo de conhecimento necessário para que os mesmos possam compreender um pouco dessa diversidade.

Mito X Mythos

É a partir do mito que surgem as diversas crenças, precisamos esclarecer de antemão que não podemos entender o mito como o senso comum o entende em nosso tempo e o nomeia e compreende. O mito deve ser entendido de maneira mais profunda e preferimos nomeá-lo como Mythos, como se escreve em grego, e dessa maneira entendê-lo como uma “espécie de verdade” algo que fazia e faz parte da vida daquele que crê e tem as explicações mitológicas para a sua crença.[7]

Como lembramos acima é a partir do mito que surgem as diversas crenças, tanto quanto as narrativas, tradições, doutrinas, ideias de imortalidade, códigos éticos etc. Esse é um aspecto e dimensão de conduta mitológico religioso, no entanto como dito na BNCC, há os aspectos não religiosos que também devem ser trabalhados, são as Filosofias de Vida que

se ancoram em princípios cujas fontes não advêm do universo religioso. Pessoas sem religião adotam princípios éticos e morais cuja origem decorre de fundamentos racionais, filosóficos, científicos, entre outros. Esses princípios, geralmente, coincidem com o conjunto de valores seculares de mundo e de bem, tais como: o respeito à vida e à dignidade humana, o tratamento igualitário das pessoas, a liberdade de consciência, crença e convicções, e os direitos individuais e coletivos.[8]

Dessa maneira como já havíamos abordado neste artigo, fica expresso e claro que as dimensões a serem trabalhadas estão além da esfera religiosa propriamente dita, além do mais é interessante também notar que a BNCC, deixa em aberto a possibilidade de adequarmos o currículo e a grade curricular, deixando claro que este modelo que é apresentado no documento, é um arranjo possível quanto a organização das habilidades e objetivos de conhecimento. Por esse motivo, aproveitamos para antecipar o que pretendemos sugerir, entre outros pontos, que seria dar um foco maior ou mesmo a inclusão da filosofia como disciplina já no ensino fundamental, ao menos nos últimos anos, o que já daria um gancho para o ensino médio.

Na próxima postagem apresentaremos nossas impressões e considerações finais quanto a este 1º momento com relação ao que observamos na BNCC e sua possibilidade ou não para colaborar quanto ao diálogo Inter-religioso, além da Bibliografia e Referências Bibliográficas completas. Até lá…

Abraços, Benito Pepe

 

[1] BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília: MEC, 2018.

[2] BRASIL, 2018, p. 436

[3] BRASIL, 2018, p. 436

[4] BRASIL, 2018, p. 438

[5] BRASIL, 2018, p. 439

[6] BRASIL, 2018, p. 439

[7] Para aprofundar o entendimento sobre “Mythos” veja o texto: PEPE, Benito dos Santos. Benito Pepe. Do Mito à Filosofia, o caso da Cosmologia

[8] BRASIL, 2018, p. 441

 

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