Ensino Religioso: fomento ao Diálogo Inter-religioso?

Continuando com o texto anterior sobre o Ensino Religioso, abordaremos agora nossas impressões e considerações quanto a importância ou não do Ensino Religioso como uma ferramenta de fomento para o respeito e diálogo inter-religioso. Tecemos também nossas considerações finais quanto a esta primeira parte deste artigo.

Nossas impressões e Considerações

Neste tópico apresentaremos a partir de reflexões fomentadas com as questões que seguem abaixo (como subtópicos), nossas impressões sobre o tema em pauta. E concomitantemente, como já fazíamos no tópico anterior, continuaremos pincelando nossas considerações a respeito da temática abordada na Base Nacional Comum Curricular (BNCC) no que tange ao Ensino Religioso, tanto quanto às unidades temáticas, aos objetivos de conhecimento e às habilidades propostas para trabalho em sala de aula no ensino fundamental.

Além das reflexões e comentários que já antecipamos quanto ao Ensino Religioso, seguiremos agora de maneira mais sucinta e objetiva a partir de duas questões que se cruzam e seguem à frente como próximos tópicos neste artigo, e que colaboram para uma nova reflexão sobre o tema e sobre as questões religiosas que fazem parte de nossa sociedade, tanto quanto a diversidade religiosa, quanto às questões de preconceitos, intolerância, discriminação, entre tantas outras questões que poderíamos levantar. Vamos a elas!

Ensino Religioso: ferramenta de fomento para o diálogo inter-religioso?

Este é um dos questionamentos e ponto de reflexão que precisamos abordar: Seria o ensino religioso uma ferramenta e um caminho para fomentar o diálogo inter-religioso? Bem, podemos observar no próprio documento da BNCC quando afirma que no ensino fundamental:

(…) o Ensino Religioso adota a pesquisa e o diálogo como princípios mediadores e articuladores dos processos de observação, identificação, análise, apropriação e ressignificação de saberes, visando o desenvolvimento de competências específicas. Dessa maneira, busca problematizar representações sociais preconceituosas sobre o outro, com o intuito de combater a intolerância, a discriminação e a exclusão.[1]

Está, portanto, bem evidente que a partir do momento que se pretende problematizar representações sociais preconceituosas tem-se de fato o intuito de combater a intolerância, a discriminação e a exclusão, como está literalmente expresso na BNCC.

Ainda abordando essa questão quanto a possibilidade de o ensino religioso ser um fomento para o diálogo inter-religioso temos a impressão clara e objetiva que isto também é viável, claro que há alguma problemática e não é tarefa simples em nossa sociedade, mas os primeiros passos precisam ser tomados. A BNCC aborda quanto as competências específicas do Ensino Religioso para o ensino fundamental alguns pontos, entre eles há aqueles que evidenciam essa questão, os quais destacamos abaixo.

  1. Conhecer os aspectos estruturantes das diferentes tradições/movimentos religiosos e filosofias de vida, a partir de pressupostos científicos, filosóficos, estéticos e éticos.
  2. Compreender, valorizar e respeitar as manifestações religiosas e filosofias de vida, suas experiências e saberes, em diferentes tempos, espaços e territórios.
  3. Reconhecer e cuidar de si, do outro, da coletividade e da natureza, enquanto expressão de valor da vida.
  4. Conviver com a diversidade de crenças, pensamentos, convicções, modos de ser e viver.
  5. Analisar as relações entre as tradições religiosas e os campos da cultura, da política, da economia, da saúde, da ciência, da tecnologia e do meio ambiente.
  6. Debater, problematizar e posicionar-se frente aos discursos e práticas de intolerância, discriminação e violência de cunho religioso, de modo a assegurar os direitos humanos no constante exercício da cidadania e da cultura de paz.[2]

Algumas das competências especificas do Ensino Religioso mencionados acima evidenciam a possibilidade de fomentação quanto ao diálogo inter-religioso. E acreditamos, como já afirmamos que isto é sim possível, embora repito, não seja tarefa simples e fácil.

 

Pode o Ensino Religioso servir ao propósito de fomentar o respeito e o diálogo inter-religioso?

Este questionamento já foi respondido em parte no item anterior, no entanto vamos ampliar essa questão e trazer novas reflexões e nossas impressões sobre elas.

Um questionamento desse, necessita ser ampliado, não podemos fazer esta pergunta de maneira fechada como se fossemos obter uma resposta afirmativa ou negativa, não é o caso. De maneira mais clara poderíamos ampliar a reflexão e questionar: o que seria necessário para que o Ensino Religioso pudesse servir ao propósito de fomentar o respeito e o diálogo inter-religioso? Dessa maneira aí sim podemos ter um resultado mais proativo. Permita-nos afirmar que sim! O Ensino Religioso deve servir ao propósito de fomentar o respeito e o diálogo inter-religioso. No entanto é bom lembrar que para que isso ocorra dependerá muitíssimo da preparação do professor facilitador em fomentar este tipo de debate e reflexão em seus grupos.

Considerações finais

Neste momento precisamos lembrar a realidade e a verdade encontrada na sociedade quanto a discriminações e intolerâncias religiosas que são claramente evidenciadas, inclusive em “estados paralelos” como grupos de “crime organizado” entre outros, e até mesmo entre as mesmas denominações religiosas ou seguimentos religiosos, que são milhares, aí se percebe as discriminações e intolerâncias recíprocas, portanto deve ficar claro que esta tarefa não é simples, não é fácil, e não será um “mar de rosas” se abarcar no assunto, principalmente para aqueles que não se fundamentarem estritamente em uma visão filosófica-religiosa e acadêmica.

Não obstante a todo o exposto é claro e oxalá possamos sim contribuir para que a intolerância religiosa e os preconceitos, tanto quanto a qualquer forma de discriminação sejam totalmente abolidas. Vimos que o Ensino religioso faz parte de um campo do conhecimento, e dessa maneira deve ser abordado, o documento da BNCC na parte que fala desta temática quanto ao Ensino Religioso, logo no início, citando a Constituição Federal e outras leis lembra que as mesmas:

(…) estabeleceram os princípios e os fundamentos que devem alicerçar epistemologias e pedagogias do Ensino Religioso, cuja função educacional, enquanto parte integrante da formação básica do cidadão, é assegurar o respeito à diversidade cultural religiosa, sem proselitismos.[3]

Como Agir enquanto Educadores

E é desta maneira que devemos, enquanto educadores, possibilitar ao estudante reflexões e quebras de paradigmas, tanto quanto pré-conceitos, discriminações de toda a espécie e acima de tudo entender e compreender as diferenças e os diferentes. Acreditamos que a Filosofia e o Ensino Religioso podem contribuir nessa empreitada. Precisamos trabalhar e entender a relação entre esses temas, temas estes que propiciam ao ser humano tomar consciência que, ainda que pensemos de maneira antropocêntrica, deveríamos ter consciência de nossa pequinês e finitude. Finalizo a parte inicial deste artigo lembrando uma frase de Immanuel Kant mencionado por CHÂTELET a qual corrobora com o nosso pensamento.

Duas coisas enchem o coração de admiração e veneração, sempre novas e sempre crescentes, à medida que a reflexão se dirige e se consagra a elas: o céu estrelado acima de mim e a lei moral dentro de mim (…) o primeiro espetáculo, de uma inumerável multidão de  mundos, aniquila, por assim dizer a minha importância, por ser eu uma criatura animal que deve voltar à matéria de que é formado o planeta (um simples ponto no Universo) depois de (não se sabe como) ter sido dotada de força vital durante curto espaço de tempo. O segundo espetáculo ao contrário eleva infinitamente o meu valor, como o de uma inteligência por minha personalidade, na qual a lei moral me manifesta uma vida independente da animalidade e até mesmo de todo o mundo sensível.[4]

Continuaremos em outras postagens com essa temática, quando apresentaremos parte de uma proposta de currículo quanto ao Ensino Religioso oferecido por uma pequena cidade do Estado da Bahia. Nessa ocasião apresentaremos nossa análise e julgamento quanto ao mesmo. Até lá…

Abraços, Benito Pepe

 

Bibliografia e Referências Bibliográficas

BRASIL. Base Nacional Comum Curricular: Educação é a base. Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/ Acesso em: 10/09/2024.

BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília: MEC, 2018.

CHÂTELET, François. Uma história da razão: entrevista com Émile Noel. 1.ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1994.

PEPE, Benito dos Santos. Benito Pepe. Do Mito à Filosofia, o caso da Cosmologia. Disponível em: https://www.benitopepe.com.br/2012/02/20/do-mito-a-filosofia-o-caso-da-cosmologia/ Acesso em: 11/09/2024.

____________________. Benito Pepe. O Esquecimento do Ser mencionado por Heidegger e o Esquecimento do Céu. Disponível em: https://www.benitopepe.com.br/2012/03/09/o-esquecimento-do-ser-mencionado-por-heidegger-e-na-astronomia-o-esquecimento-do-ceu/ Acesso em: 11/09/2024.

 

Referências Bibliográficas

[1] BRASIL, 2018, p. 436

[2] BRASIL, 2018, p. 437

[3] BRASIL, 2018, p. 435

[4] CHÂTELET, François. Uma história da razão: entrevista com Émile Noel. 1.ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1994. P.102

 

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