Parte III
Considerações Iniciais e Contextualização
Neste segundo momento de nossa atividade vamos analisar e julgar a partir da BNCC, já mencionada no primeiro capítulo deste artigo, se a proposta ao conteúdo programático da área e disciplina “ensino religioso” e principalmente os “Componentes Curriculares” propostos pela rede de ensino da Prefeitura da Cidade de Ibiassucê[1], analisada por nós, conforme segue abaixo, está ou não adequada ao currículo proposto pela BNCC como ferramenta ao combate à Discriminação e/ou intolerância religiosa. Na sequência analisamos os currículos de ensino religioso quanto ao combate à discriminação ou intolerância religiosa.
Com isso e dessa maneira, seguiremos com a reflexão: Pode o Ensino Religioso servir como ferramenta de combate à Discriminação e Intolerância Religiosa? Nessa etapa deste artigo, vamos procurar focar essa questão no currículo por nós analisado. Ademais e para tanto, tendo como base a área e disciplina “Ensino Religioso” além do “Componente Curricular” da rede de ensino dessa cidade, supracitada, “Ibiassucê”, verificaremos se a mesma pode ser utilizada como ferramenta para a promoção de diálogo inter-religioso, tanto quanto a promoção da discriminação religiosa e/ou preconceito religioso, como mencionamos. Nessa seara vamos tentar também responder à pergunta: Este componente curricular, analisado, é convergente ou divergente em relação à BNCC? Portanto esse é o foco: Currículos de Ensino Religioso – combate à Discriminação ou intolerância?
Cap. 2
Currículos de Ensino Religioso – Adequação à BNCC e ferramenta de combate à Discriminação e/ou intolerância religiosa?
Neste capítulo daremos continuidade ao contexto do que abordamos no capítulo 1 deste artigo, no entanto, agora o nosso foco estará na análise de um Currículo Proposto em consulta pública para a rede de ensino da prefeitura da cidade de Ibiassucê, especificamente quanto ao Ensino Religioso como mencionamos nas considerações iniciais, este será o tópico 2.1 – “Análise da Adequação à BNCC dos documentos da rede de ensino da Prefeitura de Ibiassucê quanto ao Ensino Religioso”, nessa etapa vamos analisar e julgar esse currículo proposto por essa cidade.
Em seguida no tópico 2.2 – “Este componente curricular, analisado acima, é convergente ou divergente em relação à BNCC?” tecemos nossas reflexões e comentários sobre esse currículo analisado por nós. Em seguida no tópico 2.3 – “Pode esse Currículo de Ensino Religioso, analisado acima, servir como ferramenta de combate à Discriminação e/ou intolerância religiosa?” então nesse momento, abordamos especificamente essa questão quanto ao currículo proposto pela prefeitura de Ibiassucê. Por fim, após apresentarmos os tópicos supracitados, tecemos nossas considerações finais até este momento de nossa atividade.
2.1. Análise da Adequação à BNCC do documentos da rede de ensino da Prefeitura de Ibiassucê quanto ao Ensino Religioso
Logo de início percebemos no discurso que precede a apresentação do Componente curricular “Ensino Religioso”, desta cidade de Ibiassucê, que o mesmo nos pareceria totalmente alinhado a BNCC, pois se diz que:
Cabe ao Ensino Religioso tratar os conhecimentos religiosos a partir de pressupostos éticos e científicos, sem privilégio de nenhuma crença ou convicção. Isso implica abordar esses conhecimentos com base nas diversas culturas e tradições religiosas, sem desconsiderar a existência de filosofias seculares de vida.[2]
Dessa maneira a proposta parecia começar bem alinhada, no entanto, seguindo na análise a partir do currículo proposto por essa cidade em pauta, notamos um currículo, ao nosso ver, muito longo em cada ano letivo, e especificamente quanto ao primeiro ano do ensino fundamental acreditamos que o currículo e os temas estão demasiadamente, além de longos, incongruentes. Isso se dá, pois, essa entidade acrescentou outras questões que julgamos não apropriadas, principalmente para essa etapa escolar pois está sendo aplicada para grupos de tenra idade, como veremos em seguida.
Pelo que é proposto na BNCC nesse primeiro ano do ensino fundamental deveria haver como propostas de “Unidades Temáticas”: Identidades e alteridades; e Manifestações religiosas. Porém, essa prefeitura de Ibiassucê, propõe além dessas “unidades temáticas” acima, algo como: Meditação; Consciência; Autoconhecimento. Ou seja, inventaram e acrescentaram algumas Unidades Temáticas que, ao nosso ver, não seriam pertinentes para serem aplicadas, pelo menos no primeiro ano do ensino fundamental. Além de as mesmas não constarem na BNCC.
Sabemos que o Currículo da BNCC é uma sugestão e que o mesmo pode ter algumas modificações e adequações pois, como está afirmado nesse documento:
Cumpre destacar que os critérios de organização das habilidades na BNCC (com a explicitação dos objetos de conhecimento aos quais se relacionam e do agrupamento desses objetos em unidades temáticas) expressam um arranjo possível (dentre outros). Portanto, os agrupamentos propostos não devem ser tomados como modelo obrigatório para o desenho dos currículos.[3]
No entanto, acreditamos que o currículo que estamos analisando e julgando está demasiadamente fora do contexto proposto pela BNCC. Percebe-se, talvez, uma boa intenção em propor: meditação, consciência e autoconhecimento, mas já nestas criancinhas de primeiro ano? Isto nos surpreendeu. Além de, como dissemos, não fazer parte dos documentos e sugestões da BNCC.
Ainda analisando o primeiro ano do ensino fundamental, nessa cidadela em pauta, temos quanto aos Objetos de Conhecimento propostos por eles: “O eu, o outro e o nós”; “Imanência e transcendência”; “Sentimentos, Lembranças, memórias e saberes”; “Foco, Atenção e Concentração”; “Valores importantes para si e para o coletivo”; “Origem, Identidade Pessoal e Virtudes Humanas”. Mais uma vez, portanto, são acrescentados outros fatores ditos como “objetivos de conhecimento” (os que estão sinalizados por nós em negrito), ou seja, objetivos estes que, da mesma maneira que ocorreu com as “Unidades Temáticas”; eles acrescentaram no currículo o que não consta na BNCC, assim também o fizeram com esses “objetivos” propostos.
Verificamos também o que eles propuseram como Habilidades para este primeiro ano do ensino fundamental quanto ao “ensino religioso”. E da mesma maneira que nos itens anteriores, se inicia o currículo com alguma afinidade e adequação nos primeiros tópicos, no entanto, como acrescentaram “Unidades Temáticas” inexistentes na BNCC, tiveram que criar também outros “objetivos”, tanto quanto o fizeram com as “Habilidades”.
Podemos comparar as “habilidades” criadas por essa prefeitura, com as indicadas no documento da BNCC, essa cidade baiana em pauta, quanto às habilidades, além das poucas que estão em conformidade, acrescentaram estas:
(EF01ER01BA) Experimentar a atenção ao momento presente, pela respiração, de maneira a descansar e acalmar os pensamentos. (EF01ER02BA) Experimentar a prática do silêncio interior e exterior. (EF01ER03BA) Reconhecer o valor da oração e da meditação na centração individual e grupal. (EF01ER04BA) Refletir sobre crenças fundamentais, valores importantes para si próprio e aqueles que tem em comum com outras pessoas com as quais convive no cotidiano, tais como valores de Leis Naturais e o universo religioso. (EF01ER05BA) Interagir com questões, oportunidades, desafios e problemas do mundo real. (EF03ER06BA) Identificar a importância da origem do ser humano para a compreensão das questões existenciais, tais como: Quem sou? De onde vim? Para onde vou?. (EF01ER07BA) Reconhecer sua identidade e diferenças, a partir de suas características e seus interesses. (EF01ER08BA) Reconhecer em si as virtudes religiosas predominantes.[4]
Na BNCC, constam como habilidades a serem desenvolvidas no primeiro ano do ensino fundamental:
(EF01ER01) Identificar e acolher as semelhanças e diferenças entre o eu, o outro e o nós.
(EF01ER02) Reconhecer que o seu nome e o das demais pessoas os identificam e os diferenciam.
(EF01ER03) Reconhecer e respeitar as características físicas e subjetivas de cada um.
(EF01ER04) Valorizar a diversidade de formas de vida.
(EF01ER05) Identificar e acolher sentimentos, lembranças, memórias e saberes de cada um.
(EF01ER06) Identificar as diferentes formas pelas quais as pessoas manifestam sentimentos, ideias, memórias, gostos e crenças em diferentes espaços.[5]
Então observamos com muita clareza que a Prefeitura Municipal de Ibiassucê, fica muito dispare, ou melhor, adiciona muitos outros itens ao currículo, estes acréscimos, como estamos vendo, se dão nas Unidades Temáticas, nos Objetivos e nas Habilidades, isso além dos que são propostos pela BNCC, esse fato ocorre, não só para este primeiro ano do ensino fundamental, mas em todos os anos letivos até o 9º ano dessa etapa do ensino básico.
No entanto, curiosamente, no que tange às Competências propostas pela BNCC, a cidade de Ibiassucê, enquadrou-as e as usou, tão somente as que estão propostas no documento da Base Nacional Comum Curricular. De qualquer maneira, e de forma incongruente, eles usaram essas “competências” em “unidades temáticas”, “objetivos de conhecimento” e “habilidades” criadas e adicionadas por eles. O que muitas vezes nos pareceu atípico e inadequado, pois muitas dessas competências poderão não estar em sintonia com os temas, objetivos e habilidades requeridas.
Como citamos no capítulo 1 deste artigo, as Competências propostas pela BNCC e também utilizadas por essa cidade, como eles mesmo as apresentam são:
- Conhecer os aspectos estruturantes das diferentes tradições/movimentos religiosos e filosofias de vida, a partir de pressupostos científicos, filosóficos, estéticos e éticos.
- Compreender, valorizar e respeitar as manifestações religiosas e filosofias de vida, suas experiências e saberes, em diferentes tempos, espaços e territórios.
- Reconhecer e cuidar de si, do outro, da coletividade e da natureza, enquanto expressão de valor da vida.
- Conviver com a diversidade de crenças, pensamentos, convicções, modos de ser e viver.
- Analisar as relações entre as tradições religiosas e os campos da cultura, da política, da economia, da saúde, da ciência, da tecnologia e do meio ambiente.
- Debater, problematizar e posicionar-se frente aos discursos e práticas de intolerância, discriminação e violência de cunho religioso, de modo a assegurar os direitos humanos no constante exercício da cidadania e da cultura de paz.[6]
Neste momento precisamos esclarecer que, para este artigo não ficar demasiado longo, vamos considerar para os outros anos do ensino fundamental, ou seja do 2º ao 9º ano, apenas alguns dos pontos que analisamos e julgamos, e que consideramos pertinente apresentá-los aqui para ilustrar os nossos comentários que faremos nos próximos tópicos deste artigo.
Então vamos a eles, em síntese, temos:
- Quanto ao 2º ano do ensino fundamental, destacamos que a proposta curricular também é bem longa, e continua com os acréscimos, como ocorre no currículo do 1º ano.
- Quanto ao 3º e 4º anos, serve o mesmo exposto quanto ao 2º ano.
- Quanto ao 5º ano, enquanto a BNCC, para este ano do ensino fundamental, propõe apenas uma “unidade temática”, ou seja: “Crenças religiosas e filosofias de vida”, essa prefeitura propõe 4 “unidades temáticas”. Se percebe então que 3 unidades temáticas são acrescentas e são as mesmas que estão mantidas desde o primeiro ano letivo, são elas: Meditação; Consciência; e Autoconhecimento.
- Quanto ao 6º ano, serve também o mesmo exposto acima, com relação ao 5º ano.
- Quanto ao 7º ano, se passa o mesmo narrado anteriormente, sendo que desta vez a BNCC propõe duas unidades temáticas e a prefeitura em pauta propõe cinco, ou seja, sempre acrescentam as três unidades temáticas que trazem desde o primeiro ano letivo. Com relação aos objetivos e habilidades, os tópicos que são propostas pela BNCC, estão em sintonia, no entanto são mais uma vez acrescentados novos objetivos e habilidades, enquanto se mantém as competências específicas, este item eles não modificaram.
- Quanto ao 8º ano, o que já vinha ocorrendo em outros anos letivos, destacamos os acréscimos com relação as unidades temáticas e especialmente aos “objetivos de conhecimento”.
- Quanto ao 9º ano, o mesmo como já dito acima ocorre, mais acréscimos aparecem.
Destacamos alguns desses aspectos apenas para emoldurar nossa exposição.
O que se percebe, então, é que além das propostas para a área de “Ensino Religioso e os Componente Curriculares” dessa cidade de Ibiassucê serem demasiado longos e não estar, em muitos dos acréscimos feitos por eles, em consonância com o que é proposto pela BNCC, e isso se dá, como evidenciamos, pelo fato de eles adicionarem diversas “Unidade Temáticas”, “Objetivos” e “Habilidades”, no entanto mantendo-se as mesmas “competências específicas” propostas no documento da BNCC.
Na próxima parte deste capítulo, seguiremos com a reflexão: Este componente curricular, analisado acima, é convergente ou divergente em relação à BNCC? Nessa ocasião comentaremos também se esse currículo pode servir como ferramenta de combate à Discriminação e/ou intolerância religiosa. Continuando assim o nosso foco: Currículos de Ensino Religioso – combate à Discriminação ou intolerância? Teceremos nossas considerações finais e apresentaremos a Bibliografia Completa deste Artigo que foi composto em 4 partes.
Siga para a Parte IV
Abraços, Benito Pepe
Referências
[1] Ibiassucê é uma pequena cidade da Bahia.
[2] Prefeitura Municipal de Ibiassucê. Consulta Pública – Referencial Curricular da Educação Básica do Município de Ibiassucê. Parte IV. Área de Ensino Religioso. Componente curricular Ensino Religioso. Disponível em: https://ibiassuce.ba.gov.br/arquivos/9%20-%20%C3%81REA%20DE%20ENSINO%20RELIGIOSO.pdf p.3 (do PDF)
[3] BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília: MEC, 2018. Disponível em: https://www.gov.br/mec/pt-br/escola-em-tempo-integral/BNCC_EI_EF_110518_versaofinal.pdf p. 441.
[4] Prefeitura Municipal de Ibiassucê. Consulta Pública – Referencial Curricular da Educação Básica do Município de Ibiassucê. Parte IV. Área de Ensino Religioso. Componente curricular Ensino Religioso. Disponível em: https://ibiassuce.ba.gov.br/arquivos/9%20-%20%C3%81REA%20DE%20ENSINO%20RELIGIOSO.pdf p.10-11 (do PDF)
[5] BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília: MEC, 2018. Disponível em: https://www.gov.br/mec/pt-br/escola-em-tempo-integral/BNCC_EI_EF_110518_versaofinal.pdf p. 443.
[6] Prefeitura Municipal de Ibiassucê. Consulta Pública – Referencial Curricular da Educação Básica do Município de Ibiassucê. Parte IV. Área de Ensino Religioso. Componente curricular Ensino Religioso. Disponível em: https://ibiassuce.ba.gov.br/arquivos/9%20-%20%C3%81REA%20DE%20ENSINO%20RELIGIOSO.pdf p.9 (do PDF)